terça-feira, 20 de novembro de 2007

Da Música - Gibran Kahlil Gibran


Sentei-me ao pé daquela que meu coração ama, e ouvi suas palavras.
Minha alma começou a vaguear pelos espaços infinitos
onde o universo aparecia como um sonho,
e o corpo como uma prisão acanhada.
A voz encantadora de minha Amada penetrou em meu coração.
Isto é música, amigos, pois eu a ouvi através dos suspiros daquela que amo,
e pelas palavras balbuciadas por seus lábios.
Com os olhos de meus ouvidos, vi o coração de minha Amada.
Meus amigos: a Música é a linguagem dos espíritos.
Sua melodia é como uma brisa saltitante que faz nossas cordas estremecerem de amor.
Quando os dedos suaves da música tocam à porta de nossos sentimentos,
acordam lembranças que há muito jaziam escondidas nas profundezas do passado.
Os acordes tristes da Música trazem-nos dolorosas recordações;
e seus acordes suaves nos trazem alegres lembranças.
A sonoridade de suas cordas faz-nos chorar à partida de um ente querido
ou nos faz sorrir diante da paz que Deus nos concedeu.
A alma da Música nasce do espírito e sua mensagem brota do Coração.
Quando Deus criou o Homem,
deu-lhe a Música como uma linguagem diferente de todas as outras.
Mesmo em seu primarismo, o homem primitivo curvou-se à glória da música;
ela envolveu os corações dos reis e os elevou além de seus tronos.
Nossas almas são como flores tenras à mercê dos ventos do Destino.
Elas tremulam à brisa da manhã e curvam as cabeças sob o orvalho cadente do céu.
A canção dos pássaros desperta o Homem de sua insensibilidade,
e o convida a participar dos salmos de glória à Sabedoria Eterna,
que criou a melodia de suas notas.
Tal música nos faz perguntar a nós mesmos o significado dos mistérios
contidos nos velhos livros.
Quando os pássaros cantam,
estarão chamando as flores nos campos,
ou estão falando às árvores, ou apenas fazem eco ao murmúrio dos riachos?
Pois o Homem, mesmo com seus conhecimentos,
não consegue saber o que canta o pássaro,
nem o que murmura o riacho,
nem o que sussurram as ondas
quando tocam as praias vagarosa e suavemente.
Mesmo com sua percepção, o homem não pode entender o que diz a chuva
quando cai sobre as folhas das árvores, ou quando bate lentamente nos vidros das janelas.
Ele não pode saber o que a brisa segreda às flores nos campos.
Mas o coração do homem pode pressentir e entender
o significado dessas melodias que tocam seus sentidos.
A Sabedoria Eterna sempre lhe fala numa linguagem misteriosa;
a Alma e a Natureza conversam entre si, enquanto o Homem permanece mudo e confuso.
Mas o Homem já não chorou com esses sons?
E suas lágrimas não são, porventura, uma eloqüente demonstração?

(Gibran Kahlil Gibran) – O Poeta do amor – 1888 - 1931

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